É PRECISO IR AOS EXTREMOS DE SI,
PARA QUE POSSA EXPERIMENTAR-SE POR INTEIRO !


Débora Vasconcelos

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

GERÚNDIO - (Carpinejar)

Durante meses, falei que estava me separando. Para me acostumar. O gerúndio um dia acontece. 

Não me acostumei, confidencio a você o que experimento, talvez para ter maior clareza sobre o que me machuca. 

As alegrias não são mais como deveriam. As tristezas não são mais como deveriam.

Não consigo encerrar uma como a outra. 

A tristeza não tem fundo. Tristeza é quando não temos mais fundo. 

Procuro desidratar, espernear, rastejar dentro do sangue, ser um réptil de pele grossa, deixar a barba a esmo, esmagar os travesseiros com um misto de soluço, tosse e socos dos olhos, mas sempre sobra dor para o dia seguinte. Por mais que me esforce em terminá-la – resta uma angústia inédita, uma angústia inesperada, que parte de uma vivência simples como freqüentar um parque ou atravessar uma rua conhecida. Não é um parque qualquer, é onde a ex-mulher me acompanhava. Não é uma rua qualquer, é aonde atravessávamos de mãos dadas. 

Nunca sei quando vai doer – isso é o que mais dói. 

Não duvido que o excesso de sensibilidade me torne insensível. Estou tão vulnerável que não sinto nada. 

O riso é também pela metade. O riso hepático, mais uma contração facial do que uma respiração desembaraçada. Aceno com a cabeça, não é mais aquele salto felino dos dentes. Meu sim virou um não simpático, com a leve inclinação dos lábios. Não abro, nem fecho: respiro pela boca. 

Perdi mais do que a sinalização de qual era a mão esquerda com a aliança. Ainda não sei o que perdi. Amanheço e percebo que perdi mais uma coisa. Tudo me engravida e eu perco. Perco muitas crianças em cada lembrança.

Do livro Espero Alguém (Bertrand Brasil, 2013)

Autor: Fabricio Carpinejar

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