Durante meses, falei que estava me separando.
Para me acostumar. O gerúndio um dia acontece.
Não me acostumei, confidencio a você o que experimento, talvez para ter maior clareza sobre o que me machuca.
As alegrias não são mais como deveriam. As tristezas não são mais como deveriam.
Não consigo encerrar uma como a outra.
A tristeza não tem fundo. Tristeza é quando não temos mais fundo.
Procuro desidratar, espernear, rastejar dentro do sangue, ser um réptil de pele grossa, deixar a barba a esmo, esmagar os travesseiros com um misto de soluço, tosse e socos dos olhos, mas sempre sobra dor para o dia seguinte. Por mais que me esforce em terminá-la – resta uma angústia inédita, uma angústia inesperada, que parte de uma vivência simples como freqüentar um parque ou atravessar uma rua conhecida. Não é um parque qualquer, é onde a ex-mulher me acompanhava. Não é uma rua qualquer, é aonde atravessávamos de mãos dadas.
Nunca sei quando vai doer – isso é o que mais dói.
Não duvido que o excesso de sensibilidade me torne insensível. Estou tão vulnerável que não sinto nada.
O riso é também pela metade. O riso hepático, mais uma contração facial do que uma respiração desembaraçada. Aceno com a cabeça, não é mais aquele salto felino dos dentes. Meu sim virou um não simpático, com a leve inclinação dos lábios. Não abro, nem fecho: respiro pela boca.
Perdi mais do que a sinalização de qual era a mão esquerda com a aliança. Ainda não sei o que perdi. Amanheço e percebo que perdi mais uma coisa. Tudo me engravida e eu perco. Perco muitas crianças em cada lembrança.
Do livro Espero Alguém (Bertrand Brasil, 2013)
Não me acostumei, confidencio a você o que experimento, talvez para ter maior clareza sobre o que me machuca.
As alegrias não são mais como deveriam. As tristezas não são mais como deveriam.
Não consigo encerrar uma como a outra.
A tristeza não tem fundo. Tristeza é quando não temos mais fundo.
Procuro desidratar, espernear, rastejar dentro do sangue, ser um réptil de pele grossa, deixar a barba a esmo, esmagar os travesseiros com um misto de soluço, tosse e socos dos olhos, mas sempre sobra dor para o dia seguinte. Por mais que me esforce em terminá-la – resta uma angústia inédita, uma angústia inesperada, que parte de uma vivência simples como freqüentar um parque ou atravessar uma rua conhecida. Não é um parque qualquer, é onde a ex-mulher me acompanhava. Não é uma rua qualquer, é aonde atravessávamos de mãos dadas.
Nunca sei quando vai doer – isso é o que mais dói.
Não duvido que o excesso de sensibilidade me torne insensível. Estou tão vulnerável que não sinto nada.
O riso é também pela metade. O riso hepático, mais uma contração facial do que uma respiração desembaraçada. Aceno com a cabeça, não é mais aquele salto felino dos dentes. Meu sim virou um não simpático, com a leve inclinação dos lábios. Não abro, nem fecho: respiro pela boca.
Perdi mais do que a sinalização de qual era a mão esquerda com a aliança. Ainda não sei o que perdi. Amanheço e percebo que perdi mais uma coisa. Tudo me engravida e eu perco. Perco muitas crianças em cada lembrança.
Do livro Espero Alguém (Bertrand Brasil, 2013)
Autor: Fabricio Carpinejar
Nenhum comentário:
Postar um comentário